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“É preciso falar sobre suicídio”, diz porta-voz do CVV

Marcella Blass
16 de Setembro de 2024


Crédito: Photo by Anthony Tran on Unsplash

O Setembro Amarelo é a campanha nacional de prevenção ao suicídio. Mas é importante que esses esforços se estendam ao longo de todo o ano, para que o assunto não seja esquecido. No Brasil, uma das instituições responsáveis pelo trabalho é o Centro de Valorização da Vida (CVV), uma associação sem fins lucrativos voltada ao apoio emocional e à prevenção ao suicídio.

Já são cerca de 115 postos à disposição 24 horas e sete dias da semana para atendimentos via e-mail, chat e telefone – pelo número gratuito 188. “Todo mundo conhece o pronto-socorro mais próximo de casa. Também é importante que as pessoas saibam que existe um número de graça e disponível voltado para emergências emocionais”, diz Carlos Correia, porta-voz da entidade.

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O Busca Voluntária conversou com Carlos, voluntário do CVV há 27 anos, que contou como é feito o atendimento e de que forma o acolhimento da entidade pode ajudar na prevenção ao suicídio.

Busca Voluntária: Como o Centro de Valorização da vida surgiu e se desenvolveu? 

Carlos Correia: O CVV surgiu em 1962 já com a proposta de ajudar na prevenção ao suicídio. No início, a entidade estava ligada mais à questão médica. Logo, entretanto, percebeu que poderia ajudar mais por meio do ouvir.

Nos primeiros anos, ele foi engatinhando até que houve uma aproximação com os Samaritans (uma instituição de caridade focada no apoio emocional de pessoas em dificuldade emocional no Reino Unido e na Irlanda). No começo, os voluntários acabavam tentando resolver o problema de quem ligava, mas, com a troca de experiência com os Samaritans, o atendimento ficou mais voltado ao acolhimento, sem julgamentos.

BV: Hoje, qual é a proposta de atendimento no CVV?

CC: O princípio básico de qualquer atendimento é que o voluntário crie um clima acolhedor para quem está ligando. Essa pessoa deve ser tratada como a mais importante da sua vida. Não pode ser feito no piloto automático. Alguém em sofrimento está ligando para a gente e, muitas vezes, essa ligação pode ser a última tentativa que ela está fazendo de se reconectar ao mundo exterior.

Ela está em um momento de grande solidão porque não consegue conversar com ninguém. Então, a proposta do atendimento do CVV é ser acolhedor, respeitando essa dor sem minimizá-la ou compará-la, transmitindo compreensão. Aqui, a dinâmica é muito mais ligada ao ouvir profundamente, sem interferência ou indicação de soluções, porque a única responsável por encontrar um caminho é a própria pessoa.

BV: Como a conversa pode impactar a vida de quem entra em contato com o CVV?

CC: Se eu tenho uma dor de dente, vou ao dentista. Se eu tiver uma dor emocional, também preciso buscar ajuda. Todas as pessoas, instintivamente, nasceram para a vida. Diante de um sofrimento muito grande, entretanto, elas podem ver no suicídio uma forma de acabar com a dor.

A disponibilidade do CVV pode ajudar. O que a gente faz não substitui nenhuma ajuda médica, como terapia e psiquiatria, mas a pessoa tende a se sentir valorizada com alguém a escutando do jeito que ela é, sem julgamentos. Tem muita gente que diz conversar conosco muitas coisas que não fala com seus terapeutas, médicos e confidentes. O CVV é uma alternativa para quem está passando por uma situação difícil e precisa falar.

BV: Então, o CVV não é apenas para quem está pensando em suicídio?

CC: Isso. Mesmo que eu não tenha uma doença, eu tomo a vacina, porque existe a possibilidade de adoecer. No CVV, fazemos um trabalho de prevenção ao suicídio, no qual a vacina é o calor humano, a afetividade e a conversa sincera e acolhedora.

Nesse processo, nós temos algumas certezas: em uma escala de 0 a 10, uns estão mais próximos do zero e outros do dez. Nunca sabemos em que ponto da escala estamos.

Eu também não sei a minha capacidade de absorver frustrações e dores emocionais, o que me espera quando eu saio de casa para trabalhar de manhã… De uma hora para outra, pode pingar a tal gota d’água que vai fazer o copo transbordar. E o CVV faz justamente o trabalho de esvaziar esse copo.

BV: O CVV atende gratuitamente pelo 188. Como foi o trabalho para implementar essa linha? 

CC: Ter um número único e gratuito era um sonho antigo. Durante muito tempo a gente batalhou junto ao Ministério da Saúde e finalmente conseguiu que eles cedessem esse número, por meio da Anatel.

O 188 é um telefone útil de emergência que nós chamamos de pronto-socorro emocional. O projeto-piloto começou após o incêndio na Boate Kiss, em Santa Maria, e se estendeu por todo o Rio Grande do Sul. Depois, em questão de um a dois anos, a gente conseguiu expandir para todo o Brasil. Isso otimizou muito a disponibilidade dos voluntários.

BV: Quais outros trabalhos voltados à prevenção do suicídio e ao apoio emocional que o CVV promove?

CC: Além do atendimento de prevenção, nós temos atividades ligadas à pósvenção ao suicídio. Quando uma pessoa morre por suicídio, há um impacto em cerca de 20 pessoas ao redor, que vão para uma área de risco maior e precisam de ajuda. O mesmo ocorre para pessoas que sobreviveram a uma tentativa.

Temos grupos de apoio aos sobreviventes (o GASS) em grande parte dos postos e também estamos sendo muito chamados por escolas e empresas para fazer palestras e rodas de conversa para que as pessoas entendam mais sobre a prevenção ao suicídio.

O CVV ainda conseguiu um patrocínio para produzir três grupos de vídeos: um voltado para os jovens, com potencial com alto potencial de viralização nas redes social, falando sobre suicídio e prevenção; outro para pais e professores sobre como lidar com a possibilidade de automutilação e suicídio; e um terceiro que auxilia a criação de grupos de apoio independentes.

Tudo está disponível no nosso site e canal do YouTube, e ajuda o CVV a alcançar mais lugares pelo Brasil.

BV: Por que é importante falar sobre suicídio?

CC: A gente sabe que existe a preocupação com o efeito de repetição. Um ídolo se matou e uma legião se mata em seguida. Ou que falar demais sobre o tema pode chamar atenção. E, de fato, está provado que dar muitos detalhes e motivos, ficar romantizando o suicídio, não é jeito de falar sobre o assunto. É preciso falar de fatores de proteção, do impacto que isso gera nas pessoas em volta e desmistificar tabus.

BV: Como desmistificar esses tabus? 

CC: Tempos atrás era inconcebível uma mulher com os seios em evidência na TV para explicar o autoexame das mamas. Mas, a partir do momento que começou a se falar sobre, o câncer de mama deixou de ser tabu e as mulheres começaram a se prevenir e procurar tratamento. O mesmo aconteceu com as doenças sexualmente transmissíveis e o uso do preservativo.

Falar de suicídio de uma maneira respeitosa é preciso, sim. É importante que haja também uma política pública voltada à prevenção nas escolas, nos hospitais e até nos conselhos de arquitetura, para que eles vejam se suas obras estão planejadas para não facilitar esse tipo de situação. A Associação Internacional Contra o Suicídio diz que a prevenção ao suicídio é uma tarefa de todos nós, da sociedade como um todo.

Informar para prevenir 

No Brasil, uma pessoa morre por suicídio a cada 45 minutos, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). No mundo, isso acontece a cada 40 segundos – e, nesse meio tempo, outras tentam tirar a própria vida a cada 3 segundos. Apesar dos números assustadores, o assunto ainda é tabu.

Somado a isso, há uma série de estigmas sociais em relação à saúde mental e a transtornos como o depressivo, de ansiedade e bipolar. Contudo, mais de 90% dos casos de suicídio, também de acordo com a OMS, estão associados a distúrbios mentais. O que significa eles podem ser evitados com informação, prevenção e tratamento adequado.

Precisa conversar?

Os voluntários do Centro de Valorização da Vida estão lá para te ouvir. Ligue para o número 188 de qualquer telefone fixo, smartphone ou orelhão.

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