Desviar o olhar, reduzir o tom de voz, responder de forma vaga de modo que não permita a checagem de informações – ou fornecer detalhes desnecessários desconectados do tema central – foram condutas adotadas em depoimentos na CPI da covid-19 por pessoas que não queriam revelar a verdade. Na maioria dos casos, os senadores da comissão não precisaram analisar postura e comportamento dos depoentes para confirmar a mentira que contaram – os fatos eram públicos.
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Mas, quando se trabalha com entrevistas ou até conversas informais, conhecer os sinais que alguém dá quando mente é fundamental.
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Isso faz parte do trabalho diário do advogado e entrevistador forense André Costa. Treinado em detecção de comportamentos com certificações da Polícia Federal, da Academia Israelense de Investigação e da Associação de Entrevistadores Forenses dos Estado Unidos, ele é especialista em detectar mentiras.
“A mentira está presente em nosso cotidiano. Identificar um mentiroso exige treino para perceber as mínimas inconsistências no discurso e, principalmente, para saber o que fazer uma vez que as identificou”, afirma.
Contar mentira dá trabalho
“Quem mente não tem o fato detalhado na memória porque ele simplesmente não existiu. Por isso, sustentar uma mentira é uma tarefa árdua”, ressalta.
Costa conta que existem quatro comportamentos que podem indicar que alguém está tentando esconder algo. Os primeiros indícios de que um indivíduo não está falando a verdade são a omissão e o exagero emocional.
“Quem mente deixa lacunas no relato e é omisso quanto aos fatos. Fala de eventos que aconteceram em um longo período de forma muito sucinta para tentar esconder alguma coisa”, explica. “Quando questionado, o mentiroso apresenta um conjunto emocional muito forte, demonstrando sensibilidade e estresse durante o diálogo porque foi abordado sobre algo que ele não quer contar.”
Quando tenta omitir algo, o mentiroso peca pelo excesso emocional.
“Mentira e exagero emocional caminham lado a lado. A pessoa costuma contar detalhes adicionais desnecessários”, detalha. “Ele confessa o que fez em tom de brincadeira na tentativa de afastar a chance de ser perguntado sobre aquilo. O mentiroso adota postura defensiva quando perguntada”
Falta de comprometimento
Quem diz a verdade costuma se inserir nos relatos. Quem está mentindo apresenta informações que dificilmente poderão ser checadas.
“A pessoa tenta transmitir como verdadeira uma informação que não passa de suposição, usando frases como, ‘fiquei sabendo’ ou ‘me disseram”, exemplifica o advogado. “Quando questionada, não consegue apresentar o nome de ninguém que presenciou a situação ou mesmo de quem disse o que afirma ter ouvido. É um sinal claro de que não está falando a verdade.”
Mudanças de linguagem
Quando se faz uma entrevista forense para investigar algo, relata Costa, as mudanças na linguagem do entrevistado aparecem com frequência. Elas indicam que alguém pode não estar revelando o que sabe.
“Investigando uma fraude, perguntei a um coordenador sobre o seu superior e ele respondeu de forma elogiosa, demonstrando intimidade entre ambos, chegando a chamá-lo no diminutivo, nítido sinal de proximidade”, conta o especialista. “Quando perguntei sobre a fraude, o coordenador se referiu ao seu superior como ‘este senhor’ mudando completamente a relação entre ambos através de sua linguagem.”
Quem não está envolvido em um desvio de conduta raramente se afasta de sua narrativa ou altera a relação com pessoas próximas que estão sendo investigadas – ao contrário de quem tenta esconder algo, lutando com todas as suas forças para se distanciar daquilo ou daquele que o compromete.
Negação limitadora
Na tentativa de omitir ou negar, diz o especialista, o indivíduo deixa aberta a possibilidade de o evento ter ocorrido de forma diferente e apresenta um discurso evasivo.
“Investigando um caso de assédio, ouvi de um gestor que ele nunca teve envolvimento com uma subordinada”, relembra “Mas, na sequência, disse que ‘nunca tinha se envolvido com nenhuma menina da sua área dentro da empresa’. Sua declaração fez muito sentido, pois os casos de envolvimento sempre ocorriam em eventos fora do seu local de trabalho.”