Fome de Tudo: aplicativo visa combater insegurança alimentar
A tecnologia tem sido uma poderosa ferramenta para potencializar o combate à fome no Brasil. Em 2022, o País registrou mais de 21 milhões de pessoas (9,9% da população) com insegurança alimentar grave e mais de 70 milhões (32,8% da população) com algum grau de insegurança alimentar, de acordo com o recente relatório “O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo (SOFI)”, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
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A startup Fome de Tudo, espécie de “Uber do impacto social”, tem destinado toneladas de alimentos para pessoas em situação de vulnerabilidade, por meio da oferta diária de comida a partir de um aplicativo móvel. A plataforma atua em todos os pontos da cadeia, rastreando desde as instituições sociais que precisam colocar refeições diárias na mesa dos brasileiros até a distribuição de estoques ociosos, para garantir a transparência do processo.
A social tech Fome de Tudo opera na modalidade de doações integrais e de vendas sociais, com até 70% de desconto no preço de mercado dos produtos. Para se beneficiar, os fornecedores e os receptores realizam o pré-cadastro no aplicativo, para só então usufruir dos benefícios.
Após a etapa de certificação das informações legais, os fornecedores abastecem a plataforma com ofertas diárias junto com as especificações técnicas, que incluem o tipo de serviço e de alimentos e as condições e a quantidade dos itens. A partir disso, a equipe do Fome de Tudo cruza as informações até encontrar as instituições que necessitam daquelas demandas específicas e as entregas são concretizadas.
Com esse modelo, os fornecedores, que variam entre produtores rurais, centrais de abastecimento e comerciantes, evitam que o consumo dos alimentos seja inutilizado, revertendo prejuízos financeiros e reduzindo a emissão de gases do efeito estufa na atmosfera.
Alimentos sem valor comercial, mas adequados para o consumo – fora dos padrões de qualidade, que podem variar da aparência até o tamanho, ou próximos da data de vencimento, e produtos que poderiam ser aproveitados, mas que nem sempre são vendidos ao consumidor final – acabam sendo descartados e desperdiçados.
Para produtos perecíveis encerrarem o ciclo de consumo humano, os fornecedores precisam pagar o serviço de aterros com tratamento, responsáveis pela proliferação de gás carbônico na natureza, que influenciam diretamente nas mudanças climáticas.
Por décadas o transporte urbano foi considerado o vilão dos efeitos da crise do clima, mas o desperdício dos alimentos também se tornou um contratempo. De acordo com a FAO, só a etapa de produção da pecuária global representa 14,5% de todas as emissões de gás carbônico por ano, o que equivale a 7,1 gigatoneladas de CO2.
A título de comparação, a produção de um quilo de carne bovina emite 60 kg de equivalentes de CO2. Além de refletir sobre a diminuição da ingestão, esses dados chamam atenção para se evitar o desperdício no consumo dos alimentos, para que se tenha efeito no combate às alterações climáticas.
De acordo com levantamento da ONU, estima-se que o Brasil desperdice por ano cerca de 27 milhões de toneladas de alimentos e 80% desse desperdício acontece no processo de produção, manuseio e transporte nas centrais de abastecimento.
“O Brasil produz a quantidade de alimentos suficiente para saciar a sua população. Porém, o que temos nos deparado é com milhões de pessoas passando fome e alimentos desperdiçados diariamente. A nossa tecnologia tem como propósito conscientizar e fazer a população aderir à cultura do desperdício zero e do reaproveitamento dos alimentos, que são duas soluções para o enfrentamento da fome”, defende Úrsula Corona, fundadora e CEO do Fome de Tudo. A empreendedora social também é colaboradora do Programa Mundial de Alimentos e do Pacto Global da ONU no Brasil.
O Fome de Tudo atua para prevenir perdas e evitar o desperdício de estoques ociosos, excedentes ou sem valor comercial, por meio de tecnologia rastreável. O projeto trabalha com um sistema eficiente e transparente para os fornecedores, com todo o monitoramento da operação das entregas. Já os receptores envolvidos, que podem ser comunidades, projetos e instituições sociais, garantem o fluxo estável de refeições diárias.
“Alimentos saudáveis, mas com pouco potencial de vendas custam caro até mesmo para serem mantidos parados, além de impedirem a entrada de novas mercadorias em estoques. A nossa tecnologia consegue transformar um prejuízo potencial numa solução capaz de alimentar vidas”, explica Úrsula sobre a viabilidade da ferramenta.
Fome de Tudo na prática
O Núcleo de Apoio à Criança com Câncer (NACC) é uma instituição de apoio à oncologia pediátrica na Grande Recife, que hospeda 120 pacientes infantojuvenis em tratamento contra linfomas, leucemia e tumores no Sistema Nervoso Central (SNC). O NACC serve em média seis refeições diárias (desjejum, lanche, almoço, lanche da tarde, jantar e ceia) para os pacientes e depende de ajuda para viabilizar o serviço prestado.
Pelo menos três vezes por semana, a organização recebe doações integrais de hortifruti pelo Fome de Tudo, que proporcionam a redução de 50% nos gastos com alimentação, direcionando os investimentos para outros itens básicos essenciais.
Já o Núcleo Assistencial Anjos da Noite distribui cerca de 400 refeições diárias, para a população em situação de rua invisibilizada socialmente no centro do Recife. Os hortifrutis que nutrem e temperam as marmitas servidas de segundas-feiras aos sábados têm origem nas doações intermediadas pelo aplicativo do Fome de Tudo.
Da mesma forma, essa organização também consegue direcionar os gastos com alimentação para outros itens básicos de assistência social, como medicações, produtos de higiene pessoal e limpeza e vestuários.
Próximos passos
O Fome de Tudo trabalha na expansão da ferramenta para o território nacional, no aperfeiçoamento da tecnologia e se prepara para lançar a nova versão do aplicativo. Focada na inteligência de dados para a tomada de decisões no mercado social dos alimentos, a plataforma fornecerá dados em tempo real sobre demandas de produtos e diagnóstico de estoques.
Neste semestre, o Fome de Tudo estreia a internacionalização de sua marca em Moçambique, fruto de acordo operacional assinado com o governo local. A tecnologia também estreia no mercado de produtos sociais: comercializará um rótulo de vinho tinto português, derivado do licenciamento da marca Cabriz, cuja renda integral custeará a perfuração de poços em cidades interioranas do Nordeste brasileiro, com deficiência no abastecimento de água.
“Estudamos o sistema de toda a operação comercial envolvida na produção de alimentos, desde o plantio até o consumo doméstico, para rodar o aplicativo que por enquanto é só B2B, mas também vai se tornar B2C. Em todas as etapas da cadeia produtiva tem desperdício”, conta Úrsula. “O aplicativo é uma inteligência rastreável que compreende e gera uma solução para esse problema. As empresas acham que estão apenas ajudando, mas quando se deparam com os dados da plataforma, entendem a economia gerada no negócio deles.”
O Fome de Tudo conta com o apoio institucional do Centro de Excelência Contra a Fome da ONU Brasil, vencedor do prêmio Nobel da Paz em 2020.
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