Por Rodrigo “Kiko” Afonso*
A fala inacreditável do ministro Paulo Guedes sobre doação de alimentos vencidos ou sobras para solucionar a fome no país explicita o total desconhecimento deste governo sobre o cenário brasileiro. A ONG Ação da Cidadania é absolutamente contrária à doação de ingredientes fora do prazo de validade, pois acredita que o combate à fome será efetivamente realizado a partir da construção de políticas públicas neste sentido, e não pelo desmantelamento delas.
Desde seu primeiro dia de gestão, ao extinguir o CONSEA (Conselho de Segurança Alimentar), o governo federal vem acabando com as políticas públicas de segurança alimentar.
A redução do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) de pequenos produtores, por exemplo, caiu de R$ 1,3 bilhão, em 2014, para R$ 151 milhões, em 2020. A distribuição de cestas básicas para grupos populacionais tradicionais foi reduzida de 82 milhões, em 2014, para 6 milhões, em 2020. Já o programa de cisternas na zona rural foi de R$ 643 milhões, em 2014, para 74 milhões, em 2020. Além disso, o Programa Nacional de Aquisição de Alimentos (PNAE) para estudantes de todos os estados teve redução de R$ 4,9 bilhões, em 2014, para R$ 4 bilhões em 2019 – mais de 20% sem considerar a inflação.
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A lei 14.048/2020, que trazia medidas emergenciais de apoio aos pequenos produtores (os mesmos que Guedes diz ser importante apoiar), teve vetos significativos por parte do seu governo, retirando auxílios emergenciais essenciais para que eles pudessem sobreviver e renegociar suas dívidas.
O aumento de quase 70% nos preços de itens como arroz e feijão (só de 2020 pra cá) é efeito direto da total falta de planejamento do governo, que focou seu apoio somente em grandes exportadores de soja e milho. De 2000 até 2020, a área plantada de arroz perdeu 50% do espaço de produção em hectares, junto com o feijão, que apresentou redução de 76,5%. Já a soja e o milho tiveram expansão de 165% e 143%, respectivamente.
Sem incentivo e planejamento de segurança alimentar populacional, fica óbvio a razão dos aumentos absurdos de preço dos alimentos mais consumidos pela população carente. Para agravar a situação, o governo federal destruiu o programa de estoques reguladores de alimentos, zerando as reservas da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) e fazendo com que qualquer oscilação temporária afete de forma direta os valores ao consumidor local.
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É preciso, sim, trabalhar contra o desperdício, que gera aumento de preços dos produtos na ponta. Organizações da sociedade civil, junto com a própria cadeia, devem atuar para promover doação de alimentos em condições de consumo, dentro da validade e dignos.
De ração animal a alimentos vencidos, essa tem sido a tônica de quem não tem a menor ideia do que é fome.
*Rodrigo “Kiko” Afonso é diretor executivo da Ação da Cidadania, ONG que combate a fome e a desigualdade socioeconômica no Brasil.